À escrivaninha. 22°C lá fora. Manhã ensolarada, céu maravilhindamente azul sem nenhuma nuvenzinha a manchar-lhe a tela. Todavia, uma brisa invernal invade o quarto e enregela-me os pés e as mãos.
Este post participa do projeto *BEDA, em que me propus a escrever sobre livros e literatura durante todo o mês de agosto. “P’ra o céu eu vou…
Nada melhor que colocar no quinto post do projeto BEDA alguns pensamentos sobre um dos melhores contos de João Guimarães Rosa, aliás, segundo os críticos, o melhor conto brasileiro. “A hora e a vez de Augusto Matraga” pertence ao livro Sagarana, que reúne nove contos do escritor.
Li-o, quinze anos atrás, quando acompanhei meu pai em um procedimento médico. Já pensando nas horas de espera no consultório, procurei um livro para ler. E o primeiro que me veio à mão, em uma pilha que tirei da estante, foi justamente esse. Em uma hora de espera pelo atendimento, deliciei-me com a leitura deste conto, na 23ª impressão da obra.
Este é o último conto que integra a obra Sagarana. A narrativa folclórica, cheia de vida e cores, é fascinante e nos prende até o final. É uma leitura repleta de imagens metonímicas da luta entre o Bem e o Mal, ao mesmo tempo bela e mágica. Rosa desvenda o universo sertanejo, suas relações místicas e religiosas, sua brutalidade e doçura.
Os contos presentes no livro:
- O burrinho pedrês
- A volta do marido pródigo
- Sarapalha
- Duelo
- Minha gente
- São Marcos
- Corpo fechado
- Conversa de bois
- A hora e a vez de Augusto Matraga
Em comum, as histórias no livro partilham o tema da morte, da religiosidade, da aventura e do dia a dia duro no sertão.
Para deixar vocês com vontade de conhecer o estilo bacanudo do Gimarães Rosa, vai aqui um trecho do conto “A hora e a vez de Augusto Matraga”:
… nem que seja a porrete!”
Mas, afinal, as chuvas cessaram, e deu uma manhã em que Nhô Augusto saiu para o terreiro e desconheceu o mundo: um sol, talqualzinho a bola de enxofre do fundo do pote, marinhava céu acima, num azul de água sem praias, com luz jogada de um para o outro lado, e um desperdício de verdes cá embaixo – a manhã mais bonita que ele já pudera ver.
Estava capinando, na beira do rego.
De repente, na altura, a manhã gargalhou: um bando de maitacas passava, tinindo guizos, partindo vidros, estralejando de rir. E outro. Mais outro. E ainda outro, mais baixo,com as maitacas verdinhas, grulhantes, gralhantes, incapazes de acertarem as vozes na disciplina de um coro.
Depois, um grupo verde-azulado, mais sóbrio de gritos e em fileiras mais juntas.
– Uai! Até as maracanãs!
E mais maitacas. Ii outra vez as maracanãs fanhosas. E não se acabavam mais. Quase sem folga: era uma revoada estrilando bem por cima da gente, e outra brotando ao norte, como pontozinho preto, e outra – grão de verdura se sumindo no sul.
– Levou o diabo, que eu nunca pensei que tinha tantos!
Que demais, não é mesmo? Vale a pena ler, ou reler, na deliciosa linguagem roseana, a saga de Augusto Matraga, homem poderoso e cruel. Sua ruína e queda. Sua luta contra seus demônios na busca pela redenção: “P’ra o céu eu vou, nem que seja a porrete!”.
Dica dada.
* Este post faz parte do BEDA – Blog Every Day (April/August), um projeto coletivo em que os blogs se propõem a postar todos os dias do mês. Ele pode acontecer em Abril e/ou em Agosto.
Parem o mundo que eu vou descer. Li apenas um livro de Guimarães Rosa, em 2002 e foi um custo concluir a leitura. Mas nunca li um único conto do homem. Acho que o estilo literário dele me atropelou e não voltei mais as páginas dele.
E não prometo tentar nesse ano, mas vou anotar aqui: ler um conto do homem. rs
bom domingo cara mia
Senhor! Vamos combinar que o estilo dele é delicioso. Já experimentou assistir a um filme adaptado desse conto? Se conseguir ler pelo menos um conto dele me conte.
beijo, menina
Lunna,repense!