À escrivaninha. 32°C lá fora. Céu encoberto. Vento fabuloso levando as cortinas às alturas.
Precisei sair para atestar minha vida, a fim de continuar recebendo os proventos da aposentadoria. Entrei no Uber, distraída . Preciso concentrar-me no presente. Três quarteirões à frente, observei o motorista sem máscara. Questionei por que estava sem máscara e ele me perguntou: “máscara, para quê?” Eu devia ter encerrado a conversa ali mesmo, mas insisti: “por causa de Covid”. Ele disse que não usaria máscara porque já estava vacinado com as três doses.
Neste momento, parei de argumentar e pedi que parasse o carro. Eu não me submeteria a uma discussão infrutífera. A idade madura tem me permitido uma crescente reflexão sobre o que é bom, útil, necessário e realmente importante. Estou menos impulsiva e mais reflexiva. Penso, antes de tomar alguma atitude. Ouço a opinião alheia e não me esforço para defender a minha. Silêncio tem sido meu lema.
Desci do carro e chamei outro Uber. O próximo motorista, pasmem, também estava sem máscara. Indaguei sobre ela, antes de entrar. Ele a colocou sem questionar. Após alguns minutos comecei a sentir o coração acelerado. Respirei fundo e me concentrei na paisagem para me acalmar. Recusei-me a ceder a sentimentos negativos de ansiedade e raiva que começavam a me atacar.
Obviamente, o que me incomodou não foi o fato de o motorista estar sem máscara. Bastava eu descer do carro, imediatamente, diante da recusa. O que me irritou foi a pergunta: “máscara para quê?” Nem acredito que seja ignorância sobre como o vírus atua. Creio que foi rudeza, permeada de machismo e etarismo.
A pandemia me ensinou a focar no “agora” e a me preocupar menos com o que não posso mudar. Não permitirei que as situações que não posso controlar controlem minhas emoções.
Na volta para casa, peguei um ônibus. Estava vazio, mas o único lugar vago para sentar era ao lado de uma senhora sem máscaras. Meu teste continuava… Ignorei-a e tentei ficar o mais relaxada que consegui. Desci um ponto antes e caminhei o resto do trajeto. Observei muitas pessoas sem máscaras na rua. Muitas. Concentrei minha atenção nas flores, nos animais, na paisagem. E relaxei.
Vou ficar em casa, exceto para o essencial. Com certeza continuarei a usar máscara e a seguir as minhas habituais medidas de prevenção. Acho prematuro fazer o contrário. Mesmo vacinadas, não ficamos livres de adoecer, aqui em casa. A vacina nos protegeu com sintomas leves. Mas não evitou o contágio. Continuarei de máscara.
Após os sessenta, escolhi me concentrar no bem ao meu redor. Sou grata por ainda ser autossuficiente e ter condições de decidir se quero manter pessoas ou situações rudes em minha vida. Que caiam as máscaras e se revelem os desígnios de cada coração.
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