À escrivaninha. 30°C lá fora. O sol escondeu-se atrás de nuvens presenteando-me com um ar primaveril de muita valia em minha caminhada matinal. Perfeito.
Minha amiga Claudia criou, recentemente, o podcast Pérolas Negras com mensagens diárias. São dois minutos de reflexões sobre a vida, com um olhar atento às coisas que nos envolvem. Cacau, como é carinhosamente chamada, disse algo que calou fundo em mim. “Eu sempre briguei com o estereótipo da perfeição”, revelou, no episódio de hoje.
Segundo minha amiga, as pessoas conseguem identificá-la, nas fotos, nos áudios, nos textos que compartilha em suas redes sociais. Independente de estarem ou não perfeitos. E me fez refletir sobre como, nome de uma performance impecável, perdemos a espontaneidade.
Pouco antes de ouvir o episódio em questão, eu havia terminado de escrever uma cena de meu segundo romance. Estava experimentando um estilo específico, inspirada em uma autora que admiro. Pedi a minha filha para ouvi-lo e me dar suas impressões. Para minha surpresa, ela percebeu, imediatamente, que algo havia mudado em minha linguagem. “Está muito diferente do jeito que você escreve”, ela me disse.
É muito importante que a gente perceba o quanto, em nome de uma perfeição, de uma plasticidade sem defeito, às vezes deixamos de ser a gente mesmo. (Cláudia Silva, em Pérolas Negras)
Fiquei lisonjeada por perceber que minha filha já reconhece meu estilo de escrita, a ponto de estranhar aquele trecho. Confesso que a cena narrada me causou igual estranheza assim que terminei de escrevê-la. Ainda que perfeita — pois inspirada no estilo perfeito da autora genial —, não reproduzia a minha forma de escrever. Não era eu naquelas linhas. Senti um alívio indescritível e uma alegria enorme ao constatar que as características de linguagem e a forma como narro a jornada de minhas personagens são peculiares.
Talvez um dia, quem sabe, eu me aproxime da perfeição da autora que tanto me inspira. Com textos que reflitam a minha personalidade, a minha voz, a minha cara. Nunca, em nome de uma perfeição, de uma plasticidade sem defeito, como disse a minha amiga, devo deixar de ser eu mesma em minha produção literária.
Ao terminar de ouvir o episódio no podcast da Claudia, sobre como as pessoas a reconhecem em seus conteúdos, surpreendi-me sorrindo pela mensagem que o universo me enviava. Sentei-me à escrivaninha, ao som de uma playlist instrumental, e reescrevi a cena. Agora, sim, era eu ali, naqueles parágrafos, naqueles diálogos, naquela dimensão de mim mesma.
Que eu possa revelar a escritora por trás de minhas histórias. Mesmo imperfeita, mesmo com defeitos, mas reflexo da beleza de meu processo criativo.
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