O dia em que Drummond incendiou um bonde

À escrivaninha. 20°C lá fora. Noite chuvosa e fria. Esperança de que os próximos dias sejam ensolarados.

Este post participa do projeto *BEDA, e me propus a postar sobre livros e literatura no mês de agosto.

Para o décimo quarto post participante do projeto, vou compartilhar um trecho da entrevista de Carlos Drummond de Andrade a Luiz Fernando Emediato, publicada no Caderno2, do jornal O Estado de S. Paulo em 15 de agosto de 1987.

Emediato – É verdade que naquela época, anos 20, em Belo Horizonte, o senhor e o Pedro Nava tocaram fogo numa casa?

Drummond – É verdade. Metemos fogo num varal de roupas dentro da casa de umas moças, as Vivacquas, e o fogo se alastrou. E então eu disse ao Nava: vamos desistir dessa bobagem. Demos a volta, apertamos a campainha. As moças queriam saltar. Ajudamos a apagar o fogo, como heróis. Um guarda-civil tinha visto tudo, e no outro dia fomos chamados à delegacia, mas o delegado era casado com uma parenta minha e eles abafaram a história. Surgiu a versão de que tínhamos tocado fogo na casa para vermos as moças de camisola, quando elas fugissem. Foi pura farra, sem nenhuma intenção.

Emediato – Diz a história que o senhor também tocou fogo num bonde. O senhor por acaso era um incendiário?

Drummond – É, talvez eu tivesse essa vocação, sem perceber. Mas o caso do bonde foi um simples protesto de estudantes. Tinham aumentado o preço dos ingressos do cinema para dois mil réis, e aquilo foi considerado um escândalo. Não podíamos aceitar. Decidimos então atacar os bondes. Afastamos o motorneiro – não sei como conseguimos força para isso – e tocamos fogo nele. Até um pedaço do bonde eu consegui levar para casa, como um troféu. (Risos) A vida em Belo Horizonte era uma mesmice.

Emediato – Parece que sua adolescência foi muito divertida. Metendo fogo em casas, se divertindo com a policia…

Drummond – Foi divertida, sim. Ao mesmo tempo havia a preocupação literária. Todos nós escrevíamos. Nós nos reuníamos toda noite, cada um mostrava seu trabalho e os outros criticavam com muita serenidade, com muita objetividade. O Milton Campos, o João Alphonsus, o Nava…


***

Falando em fogo, um trecho de um poema do Gênio:

Mundo grande

Meus amigos foram às ilhas.
Ilhas perdem o homem.
Entretanto alguns se salvaram e
trouxeram a notícia
de que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias,
entre o fogo e o amor.

Então, meu coração também pode crescer.
Entre o amor e o fogo,
entre a vida e o fogo,
meu coração cresce dez metros e explode.
– Ó vida futura! Nós te criaremos.

Carlos Drummond de Andrade – Alguma poesia

***

Gente, Drummond, um incendiário, quem diria? Um gênio contestador, não resta dúvida…


* Este post faz parte do BEDA – Blog Every Day (April/August), um projeto coletivo em que os blogs se propõem a postar todos os dias do mês. Ele pode acontecer em Abril e/ou em Agosto.


2 comentários em “O dia em que Drummond incendiou um bonde”

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