Sobre as pedras de Paraty

À escrivaninha. 28°C lá fora. Manhâ abafada com céu azul e inúmeras nuvenzinhas saudando a chegada de dezembro.

Na última semana de novembro, com meu livro Café & Romance, na 21ª FLIP, a Festa Literária Internacional em Paraty, em meu primeiro evento como escritora.

Durante quatro dias, equilibrei-me sobre as pedras do calçamento pé-de-moleque, das ruas do Centro Histórico. A cada passo, era impossível não pensar nos escravos carregando e colocando pedra por pedra, uma ao lado da outra, na constução das estradas para permitir o trágego de pessoas, carroças, carros de boi, cavalos e burros.

Com bem disse minha amiga Cláudia, a Cacau, maravilhosa companheira de viagem, a Flip teve Pagu como homenageada, mas a estrela da foto foi a escritora negra Conceição Atayde. As mesas com temas voltados a questões raciais eram concorridas e as discussões acaloradas. Eu assisti mais a eventos ligados à temática que às sobre editoras e escrita.

Recebi carinho e autógrafos de autoras e autores, e de alguns amigos e amigas que lançaram seus livros lá também. Confesso que passei mais tempo passeando, encontrando pessoas e conhecendo outras novas. Mas marquei presença na Casa Gueto, onde autografei o Café & Romance e distribuí sorrisos e abraços. Faltou a iniciativa de tirar fotos, e quem as tirou não me repassou as ditas cujas.

Quero destacar meu encantamento com a fala de Carla Akotirene sobre seu livro “É fragrante fojado dôtor vossa excelência”, que traz uma crítica feminista e decolonial dos procedimentos jurídicos expondo a institucionalização do racismo e a perseguição punitivista da população negra. Emocionei-me ao receber seu carinhoso autógrafo e sua atenção. Foi muito significativo.

Encontrei minha professora de escrita, que apresentou a mesa “Literatura e Ecologia, junto com o Thiago Lage, escritor que o virtual tornou real. Pena que a correria entre um evento e outro não permitiu uma parada para um cafezinho. Abracei meus companheiros de editora, Paula Maria e o Gilberto e as meninas do grupo Valekers. Conheci pessoas novas, confraterinizei e fiquei feliz.

Nem tudo são sorrisos

Nem tudo foi sorriso e abraços, no entanto. Presenciei discriminação e desrespeito a participantes e palestrantes negros. Doeu-me o coração ouvir uma mulher negra, ao ter sua atividade cancelada, pois “nem deveria ter acontecido, pois não estava na programação”, que ali, de “gueto” só tinha o nome.

Suspiro.

Também senti um incômodo ao ver a arte indígena a preços exorbitantes nas lojas, enquanto crianças nativas cantavam canções o dia inteiro, sob sol e sob chuva, e seus pais pais vendiam sua arte na calçada. Eu e Cacau, a minha amiga Cláudia, tivemos uma conversa importante sobre esse assunto com uma vendedora dessas lojas, uma nativa, sobre essas questões. Foi tão intenso e doloroso.

Notei a baixa participação em várias mesas e debates espalhados pelas ruas e casas literárias. Assisti a uma com 5 pessoas apenas. Fora as estrelas, que tinha até segurança na porta impedindo a superlotação, como Itamar Vieira Jr, por exemplo, o que vi foi um desinteresse em temas relacionados à feminismo, a questão racial, entre outros. Uma pena.

O temporal e o apagão em uma das noites, foi um ponto a se destacar. Sem internet, sem conseguir assistir a palestra do Itamar, visitamos a Casa da Cultura e enfrentamos as pedras molhadas, com medo de escorregar, de volta à pousada. Uma aventura em Paraty.

Registro a minha alegria ao ver, em saraus e apresentaçãoes nas ruas, performances que elevaram a poesia a um nível emocionante. O show da Luna Vitrolira foi um espetáculo à parte. Não sou capaz de descrever o quão emocionante é ver artistas espalhando beleza e reflexão em forma de poesia.

Não assisti a tudo que planejei. Impossível conciliar horários e distâncias. Talvez tenha faltado organização em meu plano inicial. Fica anotado para a próxima.

Postei fotos e vídeos sobre a FLIP, em meu Instagram, @denisegals, e deixei alguns depoimentos das experiências maravilhosas que tive nestes dias. Passa lá.

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